O Discurso de RAMSAY e o Surgimento do TEMPLÁRISMO na Maçonaria - TEMPLO MAÇÔNICO

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O Discurso de RAMSAY e o Surgimento do TEMPLÁRISMO na Maçonaria

 Quem foi André Michel de Ramsay?


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“André Michel de Ramsay, escocês de Ayr, plebeu com fumaças de aristocracia, aportou na França depois de alijado da Maçonaria de sua pátria, por insistir em criar graus cavalheirescos. Na França, satisfez a sua ânsia de nobreza, ao ser recebido como cavaleiro da Ordem de São Lázaro (Chévalier de Saint Lazare). E tão agradecido ficou que produziu em 1737, um discurso onde pretendia aristocratizar a Maçonaria, ligando-a aos nobres das Cruzadas, o que é pura lenda. Ele foi proibido de pronunciar o discurso, por ordem do cardeal Fleury (Andre Hercule de Fleury), ministro de Luis XV e dono do poder da época na França, como ocorreu com outros cardeais (Richelieu, Mazzarino): mas o texto acabou sendo publicado no ano seguinte e influenciaria as tentativas posteriores de criação de Altos Graus. Para alguns autores, o discurso foi de tendência a uma profunda reforma institucional na Maçonaria, o ponto de partida para a adoção do sistema dos Altos Graus, além de ser uma verdadeira carta a um código geral de pensamento. Outros discordam não lhe reconhecendo nenhuma influência importante, e não vendo nele mais do que um apelo a lendas, uma paixão pelos títulos nobiliárquicos e uma pretensa origem dos franco-maçons nos cruzados.” (Trecho do artigo “O Primeiro Supremo Conselho do Mundo” de autoria do Irmão José Castellani)

Introdução

Lendas e invencionices sobre o passado da Maçonaria, ainda que, em grande parte vêm sendo desmitificadas pelos pesquisadores seriamente comprometidos com a verdade, ainda atraem incautos, e que, indiretamente se encarregam de propagá-las. O fato é que muitas das invenções circulam na Internet, e sendo assim, o perigo de se multiplicarem é muito maior que outro meio qualquer, por fatores que agora não vêm ao caso.

Quando se fala sobre o Templo de Salomão e sobre os Templários na sua relação com a Maçonaria, e aqui estes assuntos são tomados como exemplos aleatórios, (embora existam aqueles que encontrem conexões), já que há outros, parece que abundam teorias, e algumas das mais fantasiosas possíveis. A verdade é que não é nem um pouco fácil “separar o joio do trigo”, separar o que é lenda, o que é invenção, o que é enxerto ou o que é “achismo”, como dizia o Irmão Castellani, e ficar com a história, pois, mesmo entre Maçons há aqueles que não simpatizam muito com a última opção. Há uma relutância, quem sabe até um descaso, há um desdém por parte de alguns, para lidar com fatos, com verdades históricas. Pode residir aí a simples falta do gostar de estudar, pode ser que determinadas versões sejam mais bonitas, mais interessantes… Ou ainda, há aqueles que preferem o “sempre foi assim”, e os que um dia ouviram algo do tipo “as origens da Maçonaria se perdem nas brumas do passado”, aceitando isso como o que há de melhor.

É de L. P. Hartley a seguinte citação: “O passado é uma terra estrangeira”. É de Voltaire a frase: “Todo o nosso passado nada mais é que ficção aceita.”

Alguns personagens também estão expostos ao mesmo processo: os seus erros são minimizados, as suas qualidades exaltadas ao extremo, o que daria no mesmo dizer que, em essência, parte da sua vida é ficção aceita também.

Não sei se estou me fazendo entender, mas com o intuito de ilustrar da melhor forma possível para o leitor o que seria a minha linha de raciocínio, recorro a uma história interessante, que faz parte do livro “Os Judeus e as Palavras”, de Amóz Oz e Fania Oz-Salzberger, e que acredito, possa por si só, trazer este entendimento pretendido e fundamental para o que virá depois. Eis o trecho:

“Desnecessário dizer que não podemos saber – especialmente em relação aos tempos antigos – quem foi ‘figura histórica’ e quem foi mito. Não podemos saber quem ‘realmente’ fez ou escreveu o que se alega que tenha feito ou escrito. Temos curiosidade a respeito, mas não importa realmente. Verdade histórica não é verdade arqueológica, disse Ahad Há’am. A história pode transportar uma verdade genuína por meio de figuras ficcionais, alegorias e mitos. E um talmudista do século IV disse que o Jó bíblico nunca existiu, que foi uma fábula. Outros sábios argumentaram contra ele, mas a teoria do Jó ficcional foi devidamente incluída no Talmude. Por que não foi varrida da lousa como blasfema ou indigna? Porque – ou assim gostaríamos de pensar – o Talmude antecipava e aceitava o nosso ponto: fábulas podem contar uma verdade. Ficção não é um gracejo. Jó existiu, tenha ou não existido ‘de verdade’. Ele existe nas mentes de incontáveis leitores, que o discutiram e debateram sobre ele por milênios. Jó, como Macbeth e Ivan Karamazov, existe como verdade textual.” 

O personagem que escolhi para contar aqui a sua história, a partir de agora, chama-se Andrew Michael Ramsay, ou o “Cavaleiro de Ramsay”, como é considerado por muitos, personagem um tanto quanto polêmico, principalmente no concernente às suas argumentações defendidas em seu famoso discurso. Alvo de severas críticas, o que não impede de que o achemos fascinante em alguns momentos da sua trajetória, algumas biografias o enaltecem, outras nem tanto, e além do mais, sem dúvida, ele imprimiu um novo rumo à Maçonaria. Pelas palavras de Lantoine, ao descrevê-lo, já podemos ter uma noção: “o mais nebuloso ou o mais iluminado preceptor… que se possa imaginar.” (Girardi, pág. 528, 2008)

Comentários

Para a feitura do presente trabalho, vários fragmentos da biografia de Ramsay irão sendo expostos concomitantemente, pois, são produtos da lavra de diversos autores, assim como suas opiniões, sejam elas com as tendências prós ou contras, para que o leitor possa pesar e sopesar. Eu vou contar com a bondade dos Irmãos que me leem, para que independente do fato de ser simpático a uma ou outra corrente, até o final, pelo menos, leiam com total imparcialidade as opiniões dos autores citados. Leiam como quem absorveu integralmente as lições contidas no texto brilhante de Amós Oz, leiam com a paciência de Jó, tenha esse personagem bíblico, existido ou não, e depois sim, tirem suas conclusões sobre o Cavaleiro de Ramsay.

Ramsay: uma biografia

Escolhi a biografia de Ramsay que está inserida no “Dicionário Maçônico”, do Irmão Joaquim Gervásio de Figueiredo, pois, ela reúne três pontos fundamentais para o entendimento melhor do biografado, assim como, no que concerne as suas afirmações mais impactantes, todas presentes nesta biografia, e o que nem todas as biografias do mesmo conseguem reunir: a sua teoria sobre as origens da maçonaria (os cruzados e a afinidade com os Antigos Mistérios), a introdução da lenda do 3º Grau e a introdução dos Altos Graus. Como já foi aventado, tudo o que tem se atribuído a Ramsay, por incrível que pareça, é motivo de polêmica para uns, mas, de pleno aceite para outros. Também, não me sentiria muito à vontade sem transcrevê-la do citado clássico, na íntegra, portanto, vamos ao verbete e ao seu texto: (As partes do trecho que estão assinaladas em negrito, além de julgá-las fundamentais às finalidades deste trabalho, irão facilitar também para quando se julgue necessário a introdução de um comentário, ou opiniões de outros autores, estas serão intercaladas entre um item e outro, o que é o mesmo que dizer ao final de cada trecho onde houver as partes em negrito, além de que, isso vai concentrar o máximo de cada assunto.) Desnecessário dizer que o Irmão Joaquim Gervásio de Figueiredo já faz uma biografia comentada, o que auxilia bastante.

RAMSAY, Miguel André (1686-1743). 1º – Cavaleiro baronete na Escócia e Cavaleiro de São Lázaro na França. Nascido em Ayr, perto de Kilwinning (Escócia), parece não ter tido ligação com a antiga Loja desse nome. Foi convertido em 1709 ao catolicismo pelo arcebispo Fenélon, com quem conviveu até a morte deste, em 1715, e de quem escreveu uma biografia. Tornou-se tutor do duque de Château-Thierry e depois do príncipe de Tirenne, e mais tarde (1724), preceptor dos dois filhos do rei Jacques III, pretendente ao trono da Inglaterra. Foi sem dúvida um homem erudito, profundo conhecedor da história antiga e moderna, doutor pela Universidade de Oxford e membro da Sociedade Real de Londres, como muito outros maçons proeminentes da época. 

Comentários e notas complementares

Da biografia “Andrew Michael Ramsay (Chevalier Ramsay)”, publicada no JB NEWS, na coluna “Maçons Célebres”, pelo Irmão Paulo Roberto Pinto, é possível retirarmos informações mais detalhadas sobre com quem Ramsay mantinha contatos na época:

1º – “Pode-se dizer que a carreira de Ramsay foi um tanto tumultuada e até curiosa: filho de um padeiro, com pai calvinista e mãe anglicana, escocês de origem, e que a monarquia francesa enobreceu. Essa sua origem foi esclarecida num panfleto intitulado ‘La Ramsayade’, atribuído ao filósofo Voltaire, entretanto, não reconhecido por ele. Enfim, o que o enobreceu foi o título de Cavaleiro de São Lázaro (Chevalier Du Saint Lazare), que lhe foi outorgado pelo Regente da França. Apesar disso tudo, Ramsay ingressaria, posteriormente, na Royal Society de Londres, assim como, na Universidade de Oxford, o que demonstra que apesar de católico stuartista, ele mantinha ligações com o anglicanismo inglês.

Viveu a maior parte da sua vida adulta na França, como jacobita exilado. Estudou teologia nas Universidades de Glasgow e Edimburgo, tendo se graduado em 1707. Em 1708, foi viver em Londres, tendo-se relacionado com Isaac Newton, Jean (ou John) Desaguliers e David Hume. Em 1710, estudou sob a orientação do filósofo místico François Fénelon, tendo, por influência deste, se convertido ao catolicismo.” 

Podemos deduzir que, embora sendo de origem simples, alcançou uma posição invejável depois. Com certeza, pelo fato das suas origens humildes, isso nunca foi lhe perdoado por seus detratores. Também, considerando a época em que viveu, a boa formação que conquistou, a sua posição como membro da Royal Society, o seu ingresso na Maçonaria, etc., foi um homem verdadeiramente esclarecido.

2º – Parece nunca haver tomado interesse pela Maçonaria, embora, em 1737, houvesse escrito ao cardeal Fleury, primeiro-ministro da França, pedindo proteção para os franco-maçons, alegando que seus ideais eram bastante elevados e utilíssimos para a religião, a literatura e o país. Mas o discurso por ele proferido em 1717 na Grande Loja Provincial da Inglaterra em Paris, de que era Grão–Chanceler e Orador, exerceu profunda influência sobre a Maçonaria francesa. Foi um discurso toleravelmente bom, porém nada contendo de muito extraordinário.

3º – Proclamou que o ideal da Maçonaria era a Fraternidade Universal dos homens cultos, um Império Espiritual que transformaria o mundo. Referiu-se aos três graus, a que denomina Aprendizes, Irmãos Companheiros ou Professos, Mestres ou Irmãos Perfeitos, títulos que talvez correspondam a uma diferença na corrente da tradição. Neles se requer, respectivamente, a prática das virtudes morais, virtudes heroicas e virtudes cristãs.

4º – Declarou que a Maçonaria fora fundada em remota antiguidade e restaurada na Terra Santa, ao tempo das Cruzadas. Que ela tem afinidades com os antigos Mistérios, especialmente com os de Ceres em Elêusis, Ísis no Egito e outros. Que os Cruzados adotaram uma série de ‘antigos sinais e palavras simbólicos, extraídos da fonte da religião’, com o intuito de distinguir os Cruzados dos sarracenos, e eram guardados sob estritos juramentos de sigilo. Que da íntima união entre os Maçons Cruzados e os Cavaleiros de S. João de Jerusalém resultou serem os Graus Azuis a Maçonaria de S. João. Que, em seu regresso, os Cruzados trouxeram as Lojas maçônicas para a Europa, e dali foram introduzidas na Escócia, onde ‘Jaques, Lorde Mordomo da Escócia, foi Grão-Mestre de uma Loja estabelecida em 1286 em Kilwinning, a oeste da Escócia, pouco depois da morte de seu rei, Alexandre III, e um ano antes da ascensão de João Baliol ao trono’. Que por toda a parte haviam sido gradativamente negligenciados nossos ritos e Lojas, os quais, todavia, tinham sido preservados em toda sua integridade entre os escoceses a quem os reis da França haviam confiado durante muitos séculos a guarda de suas reais pessoas. Que a ‘Grã-Bretanha se tornara a sede de nossa Ordem, a conservadora de nossas leis e a depositária de nossos segredos’.”

Comentários e notas complementares

Com relação aos antigos Mistérios, no “Grande Dicionário…” do Irmão Nicola Aslan, podemos ler na pág. 835 do mesmo que uma grande parte do Cerimonial das Iniciações maçônicas tem sua origem nos mistérios da antiguidade. No entanto, que esse Cerimonial maçônico foi moldado às circunstâncias e exigências da Modernidade.

É citado Ramsay no seu Discurso, quando disse:

Sim, Senhores, as famosas festas de Ceres em Elêusis, de Ísis no Egito, de Minerva em Atenas, de Urânia entre os Fenícios, e de Diana da Cítia, tinham relação com as nossas. Lá se celebravam mistérios, nos quais havia vestígios da antiga religião de Noé e dos Patriarcas.

O que a partir daí, teria feito com que os escritores passassem a reproduzir isso tudo, e o que Alec Mellor classificou como “enormidades”.

Com relação à suposta origem nos Cruzados, é importante que usemos de passagens do brilhante trabalho do Irmão Luiz Vitório Cichoski, intitulado “Origens da Maçonaria – Reflexões Históricas e Bibliográficas”:

“No texto de Ramsay, o mais antigo a propor este vínculo há, pelo menos, três menções aos Cruzados, a saber (ressaltados neste texto):

A – “Nossos antepassados, os Cruzados, juntando todas as facções da Cristandade na Terra Santa, quiseram reunir, numa só fraternidade, os súditos de todas as Nações. Quantas obrigações nós devemos a esses homens superiores… Como uma filosofia triste, selvagem e misantrópica, desvia os homens da virtude, nossos Ancestrais, os Cruzados…”

B – “Nossa Ordem, portanto, não deve ser considerada como uma renovação das Bacanais, mas como uma Ordem moral, baseada em toda antiguidade e renovada na Terra Santa, por nossos antepassados, os Cruzados…”

C – “Os Reis, os Príncipes e os Senhores, ao voltarem da Palestina, para seus Estados, ali fundaram diversas Lojas… Depois dos deploráveis reveses das Cruzadas… o grande príncipe Eduardo… declara-se Protetor de nossa Ordem, concilia os novos privilégios e, então, os membros dessa Confraria tomam o nome de Franco-maçons, a exemplo de seus antepassados.”

E prossegue o Irmão Luiz Vitório Cichoski, com o seguinte comentário:

“Todos sabemos que o Cavaleiro de Ramsay tinha por objetivo para esse seu discurso, apresentar uma origem nobre para a Franco-Maçonaria, origem essa que possibilitaria o ingresso da nobreza francesa no seio da Fraternidade Maçônica, então, não mais uma Corporação de Pedreiros, mas uma agremiação com o sangue aristocrático dos Cruzados! Novamente aqui não se faz referência aos elementos comprobatórios.”

5º – Finalmente, que muitos de nossos ritos e costumes contrários aos preconceitos dos Reformadores, foram mudados, disfarçados ou suprimidos, e assim muitos irmãos lhes esqueceram o espírito e lhes retiveram apenas a casca externa, porém, no futuro a Maçonaria seria restaurada em sua prístina glória.

Ainda, sobre as origens lá nas Cruzadas, escreveu o Irmão José Castellani:

“Nada tem, todavia, os nobres das Cruzadas a ver com as organizações profissionais de homens ligados à construção, pois elas só iriam começar a admitir nobres bem mais adiante, no início do século XVII, quando começavam a entrar em decadência. Os moldes mais definitivos da Maçonaria operativa iriam ser estabelecidos exatamente quando as Cruzadas já estavam em franco declínio. (…) E considere-se acima de tudo, que, entre as influências dos cruzados, na Europa, depois dos movimentos no Oriente, não está a arquitetura, mas, sim, o aperfeiçoamento comercial, industrial, agrícola, cultural e político.”

6º – Por sua cultura, posição social e prestígio maçônico, é apontado, e criticado como tendo sido o introdutor dos altos graus na Maçonaria, de parceria com os jesuítas, pois data de sua época a proliferação de novos sistemas e altos graus maçônicos na Europa, principalmente na França, durante a segunda metade do século XVIII. Mas seu maior trabalho conhecido, nesse sentido, foi o seu discurso de 1737, mais como um efeito do que como a causa da generalizada aspiração, na época, por uma maior ampliação dos graus, para possibilitar a harmonização e unificação das numerosas tradições e tendências maçônicas então reinantes. Só esta interpretação pode explicar a facilidade com que foram aceitas e concretizadas as suas ideias renovadoras. Mas é bem possível que nisso tenha também havido injunção e até cooperação dos jesuítas, segundo alguns tratadistas.

Comentários e notas complementares

O Irmão Carlos Dienstbach em seu artigo intitulado “A Importância dos Altos Graus no Rito Escocês Antigo e Aceito”, publicou o que segue:

“Maurice Colinon, autor da obra ‘A Igreja frente à Franco-Maçonaria’ escreveu que Ramsay foi o lançador da ideia dos altos Graus da Maçonaria e que em seus pronunciamentos sempre ligava os Graus aos velhos ideais de Cavalaria. Por isto é que temos em quase todos os Graus a palavra ‘Cavaleiro’ e a partir de 1754 com a criação do Capítulo de Clermont dá-se o início aos Altos Graus, para logo depois aparecerem os dos Cavaleiros dos Imperadores do Oriente e Ocidente e dos Soberanos Príncipes Maçons.”

O Irmão Frederico José Móttola em artigo da sua autoria, publicado na revista “O Prumo”, e intitulado “As Origens do Rito Escocês II” começa o mesmo citando a posição de José Castellani, sobre a introdução dos altos graus na Maçonaria por Ramsay:

André Michel Ramsay, como escreveu José Castellani, não foi o criador dos altos graus que deram origem ao Rito Escocês, mas foi seu famoso discurso, que não foi pronunciado, mas, sim, publicado em 1738, pregando uma reforma institucional na Maçonaria, o ponto de partida para a adoção do sistema de graus, posteriormente chamados de ‘filosóficos.”(grifo nosso)

Por outro lado, vejamos os comentários dos autores Frédéric Lenoir e Marie–France Etchegoin que escreveram em conjunto o livro “La Saga De Los Masones”, no trecho em que comentam os desdobramentos do Discurso de Ramsay no meio maçônico da época:

“Inspirados por Ramsay, los altos grados caballerescos (Caballero de Oriente, Caballero de Occidente, etc.) proliferan. Es uma época sedienta de títulos y blasones. “La masonería se moldea en una sociedad de orden, desigual, superficial. Pierde su simplicidad original.”

Ainda sobre o que está registrado no 6º item, quando é mencionada a ajuda dos jesuítas na introdução dos altos graus, o “Grande Dicionário Enciclopédico…” do Irmão Nicola Aslan traz a seguinte informação, à pág. 1144:

A fábula de os Graus Templários serem obra dos jesuítas, cujo servidor teria sido Ramsay, foi inventada no século XVIII pelo cavaleiro de Bonneville. Reeditada, no século XIX, por Thory, Bezuchet, Clavel, Laurie, Oliviers e Kloss, na França, Inglaterra e Alemanha, diz R. L Forestier (OFMR, p.199), foi destruída pelas investigações imparciais e documentadas de Gould e de Begemann. A obra de quase todos os escritores do século XIX, inclusive o Dicionário de Lorenzo Frau Abrines, é baseada na crença a essas fábulas, lendas e invencionices desmoralizadas pela crítica histórica moderna.” (grifo nosso)

7º – Também se tem atribuído a Ramsay a autoria da introdução da lenda do 3º grau na Maçonaria, e o consequente clamor por vingança, como rememoração da tragédia da decapitação de Carlos II, amigo dos Maçons, e consumação da vindita pelo restabelecimento de Carlos II no trono inglês. A primeira parte não é exata, pois os 3 graus simbólicos foram instituídos em 1648/9 pelo Rosa-Cruz Elias Ashmole. Tal assertiva só poderia ter sido concebida antes do século XIX, e por profanos incultos, pois então era muito restrito o âmbito cultural, mas não da segunda metade desse século em diante, quando se desenvolveu em grande escala o estudo comparativo da arqueologia, mitologia, mistérios, filosofias e religiões, de origem pré-histórica. Por esse estudo se evidencia que a lenda do 3º grau remonte aos Antigos Mistérios, em que se convencionava e revivia o sacrifício, morte e ressurreição gloriosa de Osíris no Egito, de Thammuz na Assíria, e de Adônis a Baco na Grécia. Se tem sido às vezes identificada com algum personagem histórico, o foi, ou por ignorância, ou mais comumente, para ocultar o seu verdadeiro sentido, que primitivamente só podia ser explicado oralmente, em criptas de Lojas e sob juramento de sigilo.”

Comentários e notas complementares

Sobre a lenda do 3º Grau, o Irmão Joaquim Gervásio de Figueiredo já tece comentários esclarecedores. De qualquer forma, acrescento a informação de Jules Boucher, em seu clássico “A Simbólica Maçônica”, que registrou o seguinte:

“A lenda de Hiram é semelhante as que se encontram nos mistérios da antiguidade e, sob esse ponto de vista, é de um interesse indiscutível. Pretende-se que essa lenda tenha sido ‘inventada’ em 1725 porque nenhum documento a menciona anteriormente sob a forma em que a conhecemos. Mas trata-se não de um símbolo mas, antes, de um rito, talvez adaptado, mas, sem dúvida alguma, iniciático.” 

Ramsay: opiniões de vários autoreis

Na “Enciclopédia Maçônica”, que é uma compilação do Irmão David Caparelli, temos:

“Ramsay, Miguel André – Um dos maçons mais ilustres e renomados por ter sido o primeiro que rompeu a tradicional unidade do primitivo simbolismo, criando o sistema maçônico dos Graus superiores. (…) Em 1728, tentou implantar em Londres a reforma maçônica, colocando os membros da Grande loja para que substituíssem os três Graus Simbólicos, únicos reconhecidos e que se praticavam naquela época, pelos três novos de seu sistema, intitulado Escocês, o Noviço e Cavaleiro do Templo. Mas a Grande Loja recusou aceitar a reforma, pelo que Ramsay se mudou para a França, onde obteve sucesso considerável, sendo seus Graus muito bem recebidos, como também outros que foram somados. (…) Apesar de tudo, este sistema não se propagou nem teve a verdadeira importância até alguns anos depois da morte de Ramsay. Ele escreveu grande número de trabalhos sobre questões históricas, filosóficas, políticas e literárias.”

Ainda no livro “La Saga De Los Masones”, de Frédéric Lenoir e Marie-France Etchgoin, encontrei exatamente o que queria encontrar, ou seja, a ideia de que os Maçons, além do próprio Ramsay, ficaram “encantados y halagados”, o que traduzindo significa dizer que ficaram contentíssimos, felizes, satisfeitos (encantados) e agradados, deliciados (halagados) com a atribuição de uma origem tão nobre. Vejamos, nas palavras dos autores:

“André Michel de Ramsay (llamado también de caballero de Ramsay). Ese escritor y filósofo de origen escocés, convertido en uno de los amigos de Fenelón, es uno de los teóricos más importantes de la masonería que está gestándose aún en el hexágono. En su célebre perorata (para los masones al menos!), relacionará la Fraternidad con las ordenes caballerescas y las cruzadas… Una descendencia puramente imaginaria pero que encanta a los hermanos, halagados al ver como les atribuyen tan dignos antepasados.”

Em sua coluna “Verbete da Semana” no JB NEWS, onde o Irmão João Ivo Girardi publica seus artigos com base nos verbetes da sua obra “Vade-Mécum Maçônico”, e intitulado “A Maçonaria e as Cruzadas”, destacamos um trecho em que ele compilou o seguinte sobre Ramsay:

“Em 1737, como Grande Orador da ordem, Ramsay escreveu e proferiu perante uma assembleia de maçons, a célebre peça de oratória na recepção a grande número de Irmãos na Grande Loja da França. Naquele dia Andrew Ramsay profere inflamado discurso fazendo uma ligação entre a Maçonaria e as Cruzadas. Sua fala é o fato que maior efeito teve nos eventos ligados à Ordem Maçônica. Sabe-se hoje que nada do que ele disse corresponde à realidade histórica, e o próprio Ramsay sabia que a Maçonaria nada tinha a ver com os Templários nem com as Cruzadas. Vaidoso ao extremo, não aceitava a verdadeira origem dos maçons construtores que eram humildes e analfabetos, então inventou essa balela das cruzadas e templários. Conseguiu por baixo do pano o título de Baronete, o mais baixo título de nobreza hereditário britânico. Tudo o que ele disse foi apenas um arroubo de oratória para cativar a assembleia presente e impressionar os recém iniciados. Desde então acreditando na farsa, os maçons de todo mundo passaram a aceitar a ligação templários, cruzadas e Maçonaria, esquecendo que maçom significa pedreiros antigos construtores de catedrais, não guerreiros, como os membros da Quarta Cruzada que assaltaram e pilharam Constantinopla, a capital da cristandade oriental, numa empreitada militar de vilania e traição cometida contra os próprios cristãos.”

Num outro trabalho publicado no JB NEWS, na coluna “Maçons Célebres” cujo título era “Andrew Michael Ramsay (Chevalier Ramsay)” de autoria do Irmão Paulo Roberto Pinto, há um trecho que diz:

“Sendo o grande entusiasta das ideias de Fénelon, ele trouxe o pensamento católico para a Maçonaria escocesa stuartista, inclusive através do seu célebre Discurso não pronunciado. Para Paul Naudon, o trabalho mais vultoso que Ramsay prestou à Maçonaria escocesa foi o de lhe haver atribuído, com o seu mais do que célebre ‘Discurso’ uma verdadeira missiva e um código geral de pensamento, coisa com que não concordam outros autores, que não lhe reconhecem influência tão importante, não observando, em seu Discurso mais do que um apelo a lendas, uma paixão pelos títulos nobiliárquicos e uma pretensa ancestralidade dos cruzados em relação aos Franco-Maçons. Em março de 1737, ele, Grande Orador e após, Grande Chanceler da Ordem, tentou pronunciar, perante uma assembleia de nobres, o seu célebre Discursos durante uma recessão da Ordem. Entretanto, mais uma interdição do cardeal Fleury impediu que isso acontecesse; não impedindo, contudo, que o referido texto fosse publicado em 1738. Não ter na época, podido pronunciar o referido Discurso, deve ter sido, na realidade, um dos maiores desgostos de sua vida, pois, feito Cavaleiro da Ordem de São Lázaro e no auge de sua felicidade de ser um nobre, não sabia como exprimir seu orgulho e gratidão. A causa dos Stuarts lhe deu oportunidade de fazer essa demonstração, de acordo com suas ideias aristocráticas, entretanto o referido cardeal acabou por tolher as suas pretensões.

Logo, Ramsay, do ponto de vista maçônico, foi, verdadeiramente, na afirmação de variados autores – como Chérel, por exemplo – uma mediocridade, que teve a sua hora de ação eficaz. Quando para outros, todavia, sua ação foi mais abrangente, até com a criação de Graus cavalheirescos, o que tem se confirmado ser puramente lendário.”

Sobre os documentos considerados como base do REAA

O Irmão Raimundo Rodrigues, no seu livro intitulado ”Cartilha do Rito Escocês” enumera vários documentos que são considerados os pilares do REAA, mas, tece algumas considerações sobre aceitar ou não o Discurso de Ramsay como um deles. Vejamos as argumentações do sábio Irmão Raimundo Rodrigues:

“Alguns autores colocam na relação dos documentos básicos do Rito Escocês Antigo e Aceito o discurso de André Miguel Ramsay, escrito em 1737 e publicado no ano seguinte. Por mais que desejemos aceitar tal ideia, não vemos naquele discurso, cujos temas versavam sobre a obrigação dos Maçons de serem amigos da humanidade, da moral, do sigilo, além do gosto das Belas Artes, nada que exerça alguma influência que possua força de regulamentação do Rito. Ao que sabemos, alguns autores argumentam que Ramsay teria, pelo menos, exercido influência na criação dos Altos Graus. Também, aí, não reside a força da verdade. Ramsay criou Três graus e os reuniu aos Três graus simbólicos já existentes, isto em 1728, na França, criando o chamado Grau de Ramsay que teve curta duração.”

Um esclarecimento necessário: Cruzados e não Templários

Importante nos remetermos ainda ao excelente trabalho do Irmão Paulo Roberto Pinto, quando ele esclarece o seguinte:

“Ramsay ligou a Maçonaria aos Cruzados, designadamente ingleses. Mas, ao contrário do que é correntemente afirmado, não é exato que tenha feito qualquer referência aos Templários. Este mito sobre um mito (grifo meu) nasceu de um erro de Mackey, que tal afirmou na entrada dedicada à ‘Origem Templária da Maçonaria’, na sua Enciclopédia da Maçonaria. Os grandes também se enganam, mas os erros dos grandes acabam por ser divulgados como verdades…”

Conclusão

Parece que o Cavaleiro Ramsey não precisou repetir uma mentira mil vezes para ela virar verdade, mas, outros se encarregaram de fazer isso.

Indiretamente, parece que deu uma sacudida muito grande no sistema, ou se quisermos um impulso, o que levou com o tempo a vários acontecimentos. O estopim foi mesmo o seu Discurso.

Pudemos acompanhar várias das opiniões sobre a sua pessoa, sobre o seu discurso, e sobre o que manifestou ou argumentou com relação às origens da Maçonaria. Todos os comentários, as considerações que os estudiosos teceram, distribuídas ao longo do trabalho levam a inferirmos em primeira instância que não existe até o momento, nenhum suporte verdadeiramente histórico para a sua teoria sobre a ligação Maçonaria-Cruzados.

O Irmão João Ivo Girardi em “A Chave Escocesa – 1ª Parte” no JB NEWS, nº 954, escreveu:

“O Discurso de Ramsay sobreviveu por séculos e vai permanecer na mente das pessoas por muitos anos, mas a história que contou existiu apenas em sua imaginação. Jamais foram encontradas quaisquer provas de uma ligação com os Cavaleiros Templários.”

Por outro lado é de concordarmos que o seu Discurso promoveu uma efervescência no que se refere à criação de graus, sendo que muitos deles tiveram curta duração, e que ao final das contas, o REAA acabou sim, ganhando um desdobramento no seu sistema de graus como resultado disso tudo.

Le Forestier disse: “Ramsay foi provavelmente o padrinho da Maçonaria escocesa; pode ser considerado como o pai espiritual dos Graus Superiores, embora não tenha ele próprio concebido nem proposto grau superior aos três graus simbólicos da Maçonaria Azul.”

Autor: José Ronaldo Viega Alves
Mestre Maçom – ARLS Saldanha Marinho, “A Fraterna”

REFERENCIA - https://opontodentrocirculo.com/